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sábado, 27 de janeiro de 2018

TRAPALHADAS POLÍTICAS NA MÚSICA BRASILEIRA – IV

Memorial. E sua "mão"
(Cont...) Maravilha arquitetônica parece ser, também, o Memorial da América Latina. Situado na Barra Funda, em São Paulo, o enorme complexo de formas arredondadas foi projetado por Niemeyer e custou uma fortuna em dólares aos cofres estaduais. Entrando nos aspectos musicais propriamente ditos do Memorial, continua a despertar espanto o fato de que (a exemplo do Centro Cultural e outros equívocos arquitetônicos) para sua construção governantes ou arquitetos parece terem se esquecido de consultar um técnico com conhecimentos de física acústica e elementos musicais ou, na falta desses, um músico ou alguém provi­do de certo bom senso. Cascatas de dinheiro público foram consumidas nessas obras, inaugurando-se espa­lhafatosamente salas de espetáculo de características acústicas simplesmente medonhas.


Diz o amigo jornalista Danilo Leite Fernandes que a Filarmônica de Israel se apresentou no Teatro Nacional de Brasília no início dos anos 70. O grande regente Zubin Mehta ficou impressionado com a péssima qualidade da acústica do teatro. Questionou o diretor, que lhe disse: "Reclama com o Niemeyer, que vai estar na plateia hoje à noite". Após o concerto, Mehta foi apresentado ao “famosão” Niemeyer e, humildemente, perguntou-lhe: "Quais estudos acústicos foram feitos durante a confecção do projeto do teatro?". Niemeyer: "Nenhum. Acústica é bobagem, não acredito nisso. O que me interessa é a beleza estética". Mehta mudou de assunto.
A linda "Capela" da Pampulha
Nada contra Niemeyer, de quem devemos nos orgulhar por muitas obras. Para mim, a mais linda é a Capela da Pampulha (oficialmente, Capela Curial São Francisco de Assis, de 1959), com obras de Portinari, um museu de arte em si, da fachada à via crucis interna. Curioso que Niemeyer, comunista e ateu convicto, tenha duas igrejas entre suas obras de grande criador: essa linda da Pampulha e a imponente Catedral de Brasília.

Como não deveria deixar de ser, o palco do Memorial - que, supõe-se, foi feito entre outras atividades para abrigar orquestras, shows e balés - não é exceção à regra. Seria excelente para gravações de programas de auditório de TV. É que o palco fica no meio de duas enormes alas de cadeiras, os artistas exatamente entre elas.
Na primeira vez que pisou no palco do Memorial, à frente da Orquestra Sinfônica do Estado (OSESP), o Maestro Eleazar de Carvalho brincou não saber se deveria reger de frente, dando as costas para a metade direita do público ou para a esquerda; terminou por colocar-se diagonalmente a ambas as seções da plateia, prejudicando o público. Essa, uma revolução impossível: já havia demorado alguns séculos para que algum tipo de disposição da orquestra sobre o palco e certos princípios acústicos fos­sem consagrados universalmente. (Após inúmeras experiências, recai-se em algumas variações do modelo antigo da orquestra clássico-romântica na construção de espaços modernos).
Boston Symphony Hall
Assim foram gestados o Carnegie Hall de NY e o Boston Symphony Hall (aliás, o primeiro pensado por meio de física acústica, baseado nas teorias de um gênio chamado Wallace). No passado, já houve a mesma preocupação  com o Opéra de Paris e o Gewandhaus, de Leipzig... Aqui mesmo no Brasil, em Manaus, no apogeu do Ciclo da Borracha (1900-1920) e em pleno Amazonas, foi erguido um belo teatro para abrigar as grandes compa­nhias europeias de ópera no roteiro de suas passagens pelas Américas. Empresários e governantes, assim como em sua maioria engenheiros e arquitetos, no passado orgulhavam-se de sua sensibilidade de maneira especial.
Teatro Santa Isabel, de Recife
O Teatro Santa Isabel de Recife, que foi concebido como uma miniatura do Opéra de Paris, teve seu telhado cons­truído de forma a aliviar para o público o calor medonho que faz na cidade - para tanto, foram feitas algumas aber­turas laterais na parte superior, de forma a permitir a pas­sagem de correntes de ar. O problema é que junto com a brisa fresca entravam por ali toda sorte de “visitantes”, de andorinhas e pombos a morcegos. Em 1931, em sua única vinda ao Brasil, o venerável violinista Jasha Heifetz apresentava-se no Santa Isabel quando foi surpreendido pelo voo rasante de um daqueles quirópteros, que quase raspou-lhe rosto. Pálido e sem inspiração, parou de tocar e exigiu que devolvessem os ingressos ao público. A direção do teatro, em pânico, conseguiu convencê-lo de que o prédio seria evacuado, as luzes apagadas e os eventuais morcegos recolhidos, garantindo que depois de algum tempo não haveria mais um daqueles animais sequer. Após uma hora Heifetz voltou, executou com certa esperada frieza o restante do programa e, traumati­zado, nunca mais voltou ao Brasil.
Já o violinista Lambert Ribeiro, antigo catedrático da Escola Nacional de Música e autor de diversos métodos, aproveitou a deixa do acontecido com Heifetz, e à primeira investida do morcego do Santa Isabel - quem sabe os bichos seriam  amantes  da melhor audição musical? – reagiu como Heifetz sem sê-lo: parou de tocar e gritou para os bastidores: "ou eu ou o morcego!". A plateia, rapidamente: "o morcego, o morcego!"
Posição tradicional de uma Sinfônica
Voltando ao auditório do Memorial, uma vez resolvido no tapa o problema da colocação da orquestra, restava ainda solucionar um outro maior, o de natureza acústica: em primeiro lugar, conjuntos musicais são organizados em função das características acústicas de seus Instrumentos. Em segundo, existe uma disposição tradicional dos naipes sobre o palco que leva em consideração princípios elementares, e ela vem sendo aprimorada através dos séculos, consolidando-se no romantismo e pouco mudando de teatro para teatro.

Uma trompa e sua campana voltada para trás
Por causa desses enganos, no Memorial o som das trompas (que, pela sua construção, é projetado para trás, uma vez que sua campana fica em posição invertida) parece demorar uma eternidade para chegar ao público. Instrumentos de som grave (bumbo, tuba, contrabaixos, trombones), que são geralmente distribuídos entre laterais e fundos para melhor se aproveitarem do espelho acústico das paredes dos auditórios, no Memorial se perdem indefinidamente, sufocados pelos agudos dos oboés, violinos, flautas e clarinetas - que parecem escapar, como fogos-fátuos, pelo vácuo do enorme pé-direito da sala. (Cont.)

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