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sábado, 16 de setembro de 2017

PARA MÚSICOS E AMANTES DA MÚSICA – PARTE I

O Aurélio acha que tudo deve ser história com agá, mas prefiro reforçar o caráter do texto com estória mesmo. Já o Houaiss identifica estória como “narrativa de cunho popular e tradicional.” (Os ingleses, corretamente, não abriram mão de story, que é bem diferente de history). Posso justificar essa escolha. A ideia de escrever este texto vinha sendo acalentada há tempos, e quase que partiu do título. Desde o início da minha carreira, seja nos conjuntos de Música Popular e orquestras, e mesmo durante os muitos anos de estudo, pude somar experiências, estórias e situações inusitadas, tão particulares do músico. Com o passar dos anos, passei a temer que essas informações pudessem se perder, pois amontoaram-se em minha memória e, por falta de espaço, muita coisa já estava sendo deletada (ah, esses neologismos de hoje).

Músicos senegaleses em bate-papo 
Conversar fiado sempre foi uma das atividades favoritas dos músicos, quando longe de seus instrumentos. O bate-papo nos bastidores, camarins ou esquinas, além de divertir servia também para saber de algum disco recente, o estilo de alguma estrela do jazz ou da regência, a performance de algum colega ou mesmo técnicas para execução de uma ou outra passagem musical. Esses assuntos, apesar de informais, com o passar do tempo acabam por se fundir, com naturalidade, no panelão da História (com agá) da Música, com seus aspectos mais insólitos e pitorescos.

Aproveitando essa interação entre formalidade e informalidade, aviso aos navegantes que grafo Música e Cultura com a inicial maiúscula ao invés de minúscula. Conforme o caso, prefiro música e cultura, assim mesmo, e por igual razão escrevo maestro ou Maestro, a depender do regente (essa última, por sua vez, é uma palavra que para mim implica em mero gerúndio, aquele que está regendo. Um Maestro é um Mestre).
PDQ Bach (fictício)
Para melhor esclarecer essas peculiaridades do texto, deve-se lembrar do inesgotável repertório de anedotas sobre a classe. Mesmo sabendo que boa parte foi extraída de casos reais, mas acabou inserida nesse verdadeiro folclore pelas mãos mágicas do tempo. Por isso neste texto qualquer semelhança entre a história e fatos ou pessoas verdadeiras na maioria das vezes não é mera coincidência.

O anedotárío sobre músicos é parte integrante do dia a dia dos profissionais, e cada orquestra tem seu piadista de plantão - como o violinista Rastelli, da Sinfônica de Campinas. Era no mínimo uma nova por dia (impossível conhecer tantas, devia inventar). Certo dia, durante um intervalo entre ensaios, no City Bar – então bar de média categoria e hoje point  e must em frente ao Centro de Convivência -, Rastelli, cercado por colegas junto ao balcão, disse: "Hoje vou contar uma de português". Do outro lado o antigo dono do bar, exclamou, irritado: "Pois não estás a ver que sou português?' Rapidamente, Rastelli retrucou: "Não tem problema, se não entenderes eu conto de novo".

O irreverente grande maestro e piadista Hans Von Büllow
Deixando de lado por enquanto o anedotárío, o conhecimento de fatos pitorescos da vida de instrumentistas, regentes e compositores é parte da vida do músico, costume que não vem de pouco tempo: talvez finque raízes em épocas tão remotas quanto as das manifestações artísticas mais primitivas (o grande Maestro Hans von Büllow costumava dizer: “No princípio era o ritmo").

Inicialmente, para este texto, passei a registrar as estórias de forma mais ou menos aleatória, do jeito que emergiam à lembrança, esperando que alguma hora eu pudesse concatená-las sem o risco de privá-las da naturalidade com que foram surgindo. Quando esses fatos, causos e anedotas começaram a se encadear, esboçaram-se tamanhas semelhanças entre eles que o texto passou a tomar corpo de forma natural, agrupando-os em frases, parágrafos e capítulos, como em uma composição musical: entretela de temas, variações, desenvolvimentos, recapitulações, seções e finalmente movimentos. As ideias foram se sucedendo, em improviso, tecendo aqui e ali verdadeiras cadências musicais.

Muito embora minhas reflexões tentem respeitar certa cronologia, torna-se necessário com frequência preterir o tempo em favor do sentido universal que empresto ao texto. Colaboram para quebrar a sequência histórica a interferência de fatos recentes nas descrições de acontecimentos do passado longínquo e vice-versa. Posso dizer que o verdadeiro Leitmotiv do livro é a personalidade ímpar dos músicos, nem tanto sua história ou sua obra.
Gossips - Rockwell 1944
Outra característica importante a ressaltar é o aspecto da transmissão oral (gosto de dizer: aural, de aura) de boa parte dessas informações. Muitos fatos e situações narrados - seja por simples lembrança ou complementados por pesquisa - surgiram do registro de relatos ouvidos e vividos, de uma forma ou de outra também passados adiante em corrente e gravados na memória de uma verdadeira teia de interlocutores.

Consciente de que interpretava fatos que pertencem tanto a vivências pessoais quanto ao patrimônio tombado da música universal, uma vez que o trabalho tomou corpo surgiu uma natural preocupação com os personagens que surgiam em cena. Situações passam a tomar um colorido especial, dando lugar à imaginação de quem as descreve - pois isso não é interpretar? Preocupava-me, entretanto, o fato de que as estórias narradas - sujeitas, é claro, a versões - traziam frequentemente nomes de pessoas vivas e situações reais. Explico: a natureza dos causos chega, às vezes, ao absurdo, e não raro desnuda situações francamente vexatórias, surrealistas ou até mesmo pornográficas. Essas últimas, por vício corporativista e preservando certo decoro da classe, tratarei de mascarar e deixarei de pormenorizar.

[Continua na próxima edição]

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